17.12.07

Pedofilia e Igreja Católica

Apesar de vivermos em um país com alto índice de criminalidade em todas as camadas e setores sociais, reparo que mantemos sempre uma passividade incoerente com a revolta e a angústia que certamente acomete a todos os indivíduos cujo sangue não está estagnado nas veias. Sintoma agravado pela sensação de impunidade que as vantagens que o sistema penal possibilita a quem sabe como explorá-lo. E essa morosidade bovina não condiz com a vertiginosa cadeia de notícias que estala em nossa face a cada vez que ligamos a TV ou lemos um jornal matutino. Talvez por isso mesmo, não temos mais tempo para nos emocionar, dada a cadência de jabs de direita que levamos à cada assalto que disfarça o bizarro, sempre alheio, que nos entretém entre uma novela e outra.

Mesmo imerso nesse colóide viscoso (do qual a publicação infracitada certamente faz parte), não perdi a capacidade de me chocar, ainda bem. A Revista Superinteressante de dezembro trás na capa uma matéria que promete tumultuar as caixas de correio da redação para janeiro. "Sexo na Igreja", berra em letras garrafais, subentendendo que o delicado assunto pedofilia virá a tona. E dessa vez pegaram pesado. Fiquei perplexo com os casos de abusos de menores apurados pela reportagem dentro da igreja católica, alguns inéditos (pelo menos pra mim) e de uma frieza que me deixou até zonzo de repugnância.

É claro que tais crimes infelizmente não são novidade, mas o que leva homens religiosos (como se isso significasse algo...) a integrar a classe mais pérfida e digna de extermínio sumário que habita esse planeta? Algumas respostas empíricas, algumas tão bitoladas quanto estúpidas, no fórum da revista.

Vou transcrever com todos os grifos originais da matéria o primeiro parágrafo, que corresponde ao diário do padre Tarcísio Tadeu Sprícigo, condenado a 15 anos de prisão por abusos sexuais contra crianças.

"Idade: 7, 8, 9, 10. Sexo: masculino. Condição social: pobre. Condições familiares: de preferência, um filho sem pai, sozinho — ou com uma irmã. Onde procurar: nas ruas, escolas, famílias. Como fisgar: aulas de violão, coral, coroinha. Importantíssimo: prender a família do garoto. Possibilidades: garoto carinhoso, carente de pai. Sem moralismo. Atitudes minhas: ver do que o garoto gosta e atendê-lo em cobrança à sua entrega a mim. Como me apresentar: sempre seguro, sério, dominador, pai."

Não se trata de alguém cujas punções sexuais reprimidas eclodem em um impulso lascivo, comum a qualquer animal sob tais circunstâncias de celibato forçado. Trata-se de alguém que premedita a agressão e que sabe muito bem o que está fazendo, como comprova o diário onde descrevia o mudus operandi de cada um de seus ataques. Quando acusado pela primeira vez em 2001 na cidadezinha de Agudos por abusar de um menor de 9 anos, a medida tomada pela diocese responsável pela paróquia foi a de simplesmente transferir o pedófilo para outra cidade, onde ele pôde tranqüilamente repetir seu vício carnal e abjeto em mais duas crianças. Detalhes aqui.

Para não dizerem que se trata de preconceito contra um grupo religioso, dados de um estudo chamado John Jay Study que desde 1950 mapeia e cataloga as acusações feitas contra padres que abusaram de menores de 18 anos. Os números mostram que os casos de pedofilia dentro da igreja são de ordem tal que superam a incidência na sociedade secular. No mínimo quatro vezes mais crianças são estupradas ou levadas a ter relações sexuais com adultos dentro de uma igreja católica do que fora dela!

"Só nos EUA, único lugar com estatísticas concretas sobre padres que cometeram abusos sexuais [com menores], 4.392 sacerdotes católicos foram denunciados por esse tipo de crime entre 1950 e 2002. Isso dá 4% do total de pessoas que exerceram o sacerdócio no país nesse período. Um número alto, ainda mais tendo-se em mente que menos de 1% da população pode ser classificada como pedófila."

13.12.07

Pecado Capital

Está nas bancas a edição 474 da revista Carta Capital (12 de dezembro) com a reportagem falando sobre os recém lançados livros escritos por ateus que cruzam sabres contra a religião, perguntando logo na capa se "deus existe?". O texto de Phydia de Athayde e Antonio Luiz M. C. da Costa vale a curiosidade de ver como uma revista político-econômica dialoga com um tema desse tipo, mas não sem uma ressalva requentada.

A sensação primária é de que o posicionamento imparcial típico do modo jornalístico de escrever dá às matérias um ar meio agnóstico, já que não se posiciona sobre a pergunta da capa. Ambos vão tecendo o ponto de vista principalmente católico, já que em sua mais recente encíclica o papa Joseph Ratzinger se dá ao incômodo de traçar umas poucas linhas contra o ateísmo, e expõe o ponto de vista ateu e seus questionamentos sobre a real utilidade da religião no mundo moderno. O que me chamou mais a atenção é um trecho da reportagem do Antônio onde ele diz que

"Pior ainda é que a discussão parece ignorar o debate filosófico do século XIX em diante para retomar a discussão praticamente no ponto em que estava em meados do século XVIII (...). O ateu Denis Diderot e seus colegas enciclopedistas (...) do século XVIII ficariam surpresos ao constatar como os propagandistas do ateísmo como Richard Dawkins e Christopher Hitchens conseguem causar impacto sem acrescentar nada fundamentalmente novo à polêmica - e sem parecer ter mais do que um conhecimento superficial desse período."

Aparentemente o tom final desse trecho deu a entender que criticar a religião com base nas observações práticas das ações e de sua influência no mundo moderno sem voltar os olhos para as antigas bases filosóficas do século retrasado seria um erro. É claro que o bom argumento se faz com racionalismo e devidamente embasado em provas e fatos. Mas não me parece justo desmerecer uma opinião não-preconceituosa, já que nas obras dos dois autores citados os argumentos contra o jugo eclesiástico são firmemente calcados em fatos reais, como a posição contra do Vaticano ao uso de preservativos ou a forma como os muçulmanos radicais tratam suas mulheres, entre outros crimes. São fatos que podem facilmente ser captados na grande mídia e que dizem muito sobre as intenções ou o bom senso de quem as defende. Quanto ao não acrescentar algo de novo ao debate, me pergunto se há realmente algo de novo que já não tenha sido sobejamente discutido, provado e deixado às claras por séculos de contenda racional. Mais evidências sobre agressões estúpidas movidas pela fé? Isso já temos em quantidade...

Sobre esse quase recém-promovida falácia "sabe com quem você DEVERIA estar falando?", lembrei-me de um artigo brilhante que li no blog Godless Lliberator, onde é perguntado sobre o que um ateu precisa saber para estar apto a criticar a religião. Pela visão dos religiosos, seria preciso um ateu formado com mérito em teologia, segundo Elizandro Max, dono do blog, que diz ainda

E adivinhem só: essa criatura existe, chame-se Edmund Standing e escreveu um dos artigos mais incisivos que li ultimamente. Ele confirma tudo aquilo que, sem estudar teologia, eu e a maioria dos ateus já desconfiávamos: a teologia é uma não-saber sobre algo que não existe, e é falaciosa a idéia de que a fé é uma coisa por demais profunda, que nunca pode ser compreendida pelos ateus. Uma resposta à altura para qualquer um que diga que os ateus não podem criticar a religião.

Leia aqui o artigo original de Edmund Standing, graduado em Teologia & Estudos Religiosos e mestre em Teoria Cultural e Crítica.

4.12.07

Boas e más razões para crer

Trecho excelente do livro O Capelão do Diabo, de Richard Dawkins, sobejamente citado e titulado por aqui no blog. Nele, o autor escreve uma carta para sua filha de dez anos, alertando-a contra o que ele chama de as "três más razões para acreditar em algo": tradição, autoridade e revelação.

Espero poder ser de alguma ajuda para pais e mães atéias, que se preocupam com a formação moral das crias, e que passam por situação onde a educação dos filhos sofre interferências externas de doutrinação religiosa, às vezes dentro da própria casa. Posso não ser pai (e provavelmente nem venha a ser...), mas certamente compreendo um pouco o tema por ter nascido dentro de um lar evangélico e ter sido criado dentro dos dogmas congregacionais, que é algo como os batistas. Posso assegurar que livrar-se desse fardo mais tarde é bem complicado. Mas isso é assunto para uma outra postagem.

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Querida Juliet,

Agora que você fez dez anos, quero lhe escrever sobre algo que é muito importante para mim. Você já se perguntou sobre como sabemos as coisas que sabemos? Como sabemos, por exemplo, que as estrelas, que parecem pequenos pontos no céu, são na verdade grandes bolas de fogo como o Sol e ficam muito longe? E como sabemos que a Terra é uma bola menor, girando ao redor de uma dessas estrelas, o Sol?

A resposta para essas perguntas é provas. Às vezes prova significa realmente ver (ou ouvir, ou sentir, cheirar...) que algo é verdade. Astronautas viajaram longe o suficiente da Terra para ver com seus próprios olhos que ela é redonda. Às vezes nossos olhos precisam de ajuda. A Estrela Dalva parece uma sutil cintilação no céu, mas com um telescópio você pode ver que ela é uma linda bola - o planeta que chamamos de Vênus. Uma coisa que você aprende diretamente vendo (ou ouvindo, ou cheirando...) é chamada de observação.

Freqüentemente, a prova não é só uma observação por si só, mas há sempre observações em sua base. Se aconteceu um assassinato, é comum ninguém (menos o assassino e a pessoa morta!) ter visto o que aconteceu. Mas os detetives juntam diversas observações que podem apontar na direção de um suspeito. Se as impressões digitais de uma pessoa coincidirem com as encontradas num punhal, isso é uma prova de que ela tocou nele. Isso não prova que ela cometeu o assassinato, mas pode ser uma informação útil, junto com outras provas. Às vezes um detetive consegue pensar sobre várias observações e então de repente perceber que todas se encaixam e fazem sentido se fulano de tal cometeu o crime.

Os cientistas - os especialistas em descobrir o que é verdade sobre o mundo e o universo - freqüentemente trabalham como detetives. Eles dão um palpite (chamado de hipótese) sobre o que talvez seja verdade. Depois dizem para si mesmos: Se isso realmente for verdade, devemos observar tal coisa. Isso é chamado de previsão. Por exemplo, se o mundo realmente for redondo, podemos prever que um viajante que caminhar continuamente numa mesma direção acabará no ponto de onde partiu. Quando um médico diz que você está com sarampo, ele não olhou para você e viu sarampo. A sua primeira observação lhe fornece a hipótese de que você talvez tenha sarampo. Então ele diz para si mesmo: se ela realmente está com sarampo, devo encontrar... E ele então consulta sua lista de previsões e testa-as usando seus olhos (você está com pintas?), mãos (sua testa está quente?) e ouvidos (seu peito está com um chiado?). Só então ele toma a decisão e diz: Meu diagnóstico é que essa criança está com sarampo. Às vezes, os médicos precisam fazer outros testes, como exames de sangue ou raio-X, que ajudam seus olhos, mãos e ouvidos a fazer observações.

O modo como os cientistas usam provas para aprender sobre o mundo é muito mais engenhoso e complicado do que consigo dizer numa breve carta. Mas agora quero deixar de lado as provas, que são uma boa razão para crer em algo, e alerta-la sobre três más razões para acreditar em algo. Elas se chamam tradição, autoridade e revelação.

Primeiro, a tradição. Alguns meses atrás, fui à televisão para ter uma conversa com cerca de cinqüenta crianças. Essas crianças foram convidadas por terem sido criadas segundo diferentes religiões: algumas como cristãs, outras judias, muçulmanas, hindus ou sikhs. Um homem com um microfone ia de criança em criança, perguntando no que acreditavam. O que elas responderam mostra exatamente o que quero dizer com tradição. Suas crenças não tinham nenhuma relação com provas. Elas simplesmente papagaiavam as crenças de seus pais e avós que, por sua vez, também não eram baseadas em provas. Elas diziam coisas como: Nós, hindus, acreditamos em tal e tal; Nós, muçulmanos, acreditamos nisso e naquilo; Nós, cristãos, acreditamos numa outra coisa.

Como todas acreditavam em coisas diferentes, nem todas poderiam estar certas. O homem com o microfone parecia achar que isso não era um problema, e nem tentou fazê-las discutir suas diferenças entre si. Mas não é isso que quero enfatizar no momento. Eu simplesmente quero analisar de onde vieram as crenças. Vieram da tradição. Tradição significa crenças passadas do avô para o pai, deste para o filho, e assim por diante. Ou por meio de livros passados através das gerações ao longo dos séculos. Crenças populares freqüentemente começam de quase nada; talvez alguém simplesmente as invente, como as histórias sobre Thor e Zeus. Mas depois de terem sido transmitidas por alguns séculos, o simples fato de serem tão antigas as faz parecer especiais. As pessoas acreditam em coisas simplesmente porque outras pessoas acreditaram nessas mesmas coisas ao longo dos séculos. Isso é tradição.

O problema com a tradição é que, independentemente de há quanto tempo a história tenha sido inventada, ela continua exatamente tão verdadeira ou falsa quanto a história original. Se você inventar uma história que não seja verdadeira, transmiti-la através de vários séculos não vai torná-la verdadeira!

A maioria das pessoas na Inglaterra foi batizada pela Igreja anglicana, mas esse é apenas um entre muitos ramos da religião cristã. Há outras divisões, como a ortodoxa russa, a católica romana e as metodistas. Todas acreditam em coisas diferentes. A religião judaica e a muçulmana são um pouco diferentes; e há ainda diferentes tipos de judeus e muçulmanos. Pessoas que acreditam em coisas um pouco diferentes umas das outras vão à guerra por causa das discordâncias. Então você talvez imagine que eles têm boas razões - provas - para acreditar naquilo que acreditam. Mas, na realidade, suas diferentes crenças são inteiramente decorrentes de tradições.

Vamos falar sobre uma tradição em particular. Católicos romanos acreditam que Maria, a mãe de Jesus, era tão especial que ela não morreu, mas acendeu ao Céu. Outras tradições cristãs discordam, e dizem que Maria morreu como qualquer pessoa. Outras religiões não falam muito nela e, de modo diferente dos católicos romanos, não a chamam de Rainha do Céu. A tradição segundo a qual o corpo e Maria foi levado ao Céu não é muito antiga. A Bíblia não diz nada sobre como ou quando ela nasceu; aliás, a pobre mulher mal é mencionada na Bíblia. A crença de que seu corpo foi levado ao Céu não foi inventada até cerca de seis séculos após a época de Jesus. No início, só foi inventada, da mesma forma que qualquer história, como Branca de Neve. Mas, no transcorrer dos séculos, ela se tornou uma tradição e as pessoas começaram a levá-la a sério simplesmente porque a história havia sido transmitida ao longo de tantas gerações. Quanto mais velha a tradição se tornava, mais as pessoas a levavam a sério. Ela foi por fim escrita como uma crença católica romana oficial muito recentemente, em 1950, quando eu tinha a idade que você tem hoje. Mas a história não era mais verdadeira em 1950 do que quando foi inventada, seiscentos anos após a morte de Maria.

Vou voltar à tradição no fim de minha carta, e olhá-la de outro modo. Mas antes preciso tratar das outras duas más razões para crer em alguma coisa: autoridade e revelação.

Autoridade enquanto razão para crer em algo significa acreditar pois alguém importante ordenou que você acreditasse. Na Igreja católica romana, o papa é a pessoa mais importante, e as pessoas acreditam que ele deve estar certo só porque ele é o papa. Num dos ramos da religião muçulmana, as pessoas importantes são velhos barbados chamados de aiatolás. Muitos muçulmanos se dispõem a cometer assassinatos simplesmente porque aiatolás de um país distante deram essa ordem.

Quando digo que só em 1950 os católicos romanos foram finalmente informados que tinham que acreditar que o corpo de Maria havia subido para o Céu, quero dizer que em 1950 o papa disse que isso era verdade, e então tinha que ser verdade! É claro que algumas coisas que o papa disse ao longo de sua vida devem ser verdade e outras não. Não há nenhuma boa razão para você acreditar em tudo que ele diz mais do que você haveria de acreditar nas coisas que muitas outras pessoas dizem, só porque ele é o papa. O papa atual ordenou às pessoas que não controlasse o número de filhos que vão ter. Se sua autoridade for seguida com a obediência que ele deseja, os resultados poderão ser uma terrível escassez de alimentos, doenças e guerras, causas por superpopulação.

É claro que, mesmo na ciência, às vezes nós mesmos não vemos as provas e temos de acreditar no que foi dito por outra pessoa. Eu não vi, com os meus próprios olhos, que a luz viaja à velocidade de 300 mil quilômetros por segundo. Mas acredito em livros que me dizem qual a velocidade da luz. Isso parece autoridade. Mas na realidade é muito melhor que autoridade, porque as pessoas que escreveram o livro viram as provas, e qualquer um de nós pode examinar as provas com atenção no momento que quiser. Isso é muito confortante. Mas nem mesmo os padres afirmam que há provas para a história de que o corpo de Maria subiu para o Céu.

A terceira má razão para acreditar em algo é revelação. Se você tivesse perguntado ao papa, em 1950, como ele sabia que o corpo de Maria tinha subido ao Céu, ele provavelmente teria dito que isso lhe fora revelado. Ele se fechou num quarto e rezou, pedindo orientação. Sozinho, ele pensou e pensou, e na sua intimidade teve mais e mais certeza de suas idéias. Quando pessoas religiosas têm uma simples sensação de que algo deve ser verdade, mesmo que não haja provas de que o seja, eles chamam sua sensação de revelação. Não só os papas afirmam ter revelações. Isso também acontece com muitas pessoas religiosas. É uma de suas principais razões para acreditar naquilo que acreditam. Mas isso é bom ou ruim?

Suponha que eu lhe dissesse que seu cachorro está morto. Você provavelmente ficaria muito triste, e talvez dissesse: Você tem certeza? Como você sabe? Como aconteceu? Suponha então que eu respondesse: Na verdade, eu não sei se Pepe está morto. Eu não tenho provas. Só tenho uma sensação esquisita, bem dentro de mim, de que ele está morto. Você ficaria muito zangada comigo por tê-la assustado, porque você sabe que uma sensação por si só não é uma boa razão para acreditar que um cachorro está morto. Você precisa de provas. Todos temos sensações e pressentimentos de tempos em tempos, e descobrimos que às vezes estavam certos, às vezes não. De qualquer forma, pessoas diferentes podem ter sensações opostas, então como decidir quem teve a intuição correta? O único jeito de ter certeza de que um cachorro está morto é vê-lo morto, ou ouvir que seu coração parou de bater, ou obter essa informação de uma pessoa que viu ou ouviu alguma prova de que ele está morto.

As pessoas às vezes dizem que devemos acreditar em sensações íntimas, senão você nunca teria certeza de coisas como minha esposa me ama. Mas esse é um argumento ruim. Pode haver muitas provas de que alguém ama você. Durante todo o dia em que você está com alguém que a ama, você vê e ouve pequenas provas, e elas se somam. Não é somente ma sensação interior, como a sensação que os padres chamam de revelação. Há outras coisas para apoiar a intuição: olhares, um tom carinhoso de voz, pequenos favores e gentilezas; tudo isso serve de prova. Certas pessoas têm forte sensação de que alguém as ama sem que isso esteja baseado em provas, e então é provável que estejam completamente enganadas. Há pessoas com uma forte intuição de que um astro do cinema está apaixonado por elas, mas na realidade o astro de cinema nem sequer as encontrou. Pessoas assim são doentes da cabeça. Sensações íntimas ou intuições precisam ser apoiadas por provas, senão você simplesmente não pode confiar nelas.

As intuições são valiosas na ciência também, mas só para lhe dar idéias que você então testa, procurando provas. Um cientista pode ter um pressentimento sobre uma idéia que ele sente estar correta. Por si só, isso não é uma boa razão para acreditar nela. Mas pode ser uma razão para passar algum tempo fazendo experimentos, ou à busca de provas. Cientistas usam a intuição o tempo todo para ter idéias. Mas elas não valem nada até que sejam apoiadas por provas.

Eu prometi que voltaria à tradição, para examiná-la de outro modo. Quero explicar o que a tradição é tão importante para nós. Todos os animais são construídos (pelo processo chamado de evolução) para sobreviver no local em que seus semelhantes vivem. Leões são construídos para sobreviver nas planícies da África. O lagostim é construído para sobreviver na água doce, enquanto as lagosta são adaptadas para a vida na água salgada. As pessoas também são animais, e somos construído nos para viver bem no mundo cheio de... outras pessoas. A maioria de nós não caça para obter comida, como as lagostas ou os leões; nós a compramos de pessoas que, por sua vez, a compram de outras pessoas. Nós "nadamos" num "mar de pessoas". Assim como um peixe precisa das brânquias para sobreviver na água, as pessoas precisam do cérebro que as torna capazes de se relacionarem umas com as outras. Assim como o mar está cheio de água salgada, o mar de pessoas está cheio de coisas difíceis de aprender. Como a linguagem.

Você fala inglês, mas sua amiga Ann-Kathrin fala alemão. Cada um de vocês falam a língua que lhes permite "nadar" no seu "mar de pessoas". A linguagem é transmitida por tradição. Não há outra alternativa. Na Inglaterra, Pepe é a dog. Na Alemanha, ele é ein Hund. Nenhuma dessas palavras é mais correta ou verdadeira do que a outra. As duas foram transmitidas ao longo do tempo, só isso. Para serem boas em "nadar no seu mar de pessoas", as crianças têm que aprender a língua de seu país, e muitas outras coisas sobre se o seu povo; e só quer dizer que elas precisam absorver, como papel mata-borrão, uma enorme quantidade de informações sobre tradições (lembre que essas informações são aquelas passadas dos avós para pais e deste para filhos). O cérebro da criança tem que absorver informações sobre tradições. Não é de se esperar que a criança consiga separar a informação boa e útil, como as palavras de uma língua, das informações ruins e tolas como acreditar em bruxas, demônios e virgens imortais.

É uma pena - mas não deixa de ser assim - que, por serem sugadoras da informação sobre tradições, as crianças possam acreditar em qualquer coisa que os adultos lhes digam. Não importa se seja falso ou verdadeiro, certo ou errado. Muito do que os adultos dizem é verdadeiro e baseado em provas, ou pelo menos sensato. Mas se parte do que é dito é falso, tolo ou até malvado, não há nada para impedir as crianças de acreditarem naquilo também. E quando as crianças crescerem o que farão? Bom, é claro que contarão as histórias para a próxima geração de crianças. Então, uma vez que uma idéia se torna uma crença arraigada - mesmo que seja completamente falsa e nunca tenha havido uma razão para acreditar nela -, pode durar para sempre.

Será isso o que aconteceu com as religiões? A crença de que há um Deus ou deuses, crença no Céu, crença em que Maria nunca morreu, que Jesus nunca possuiu um pai humano, que as rezas são respondidas, que vinho se torna sangue - nenhuma dessas crenças é apoiada por boas provas. E no entanto milhões de pessoas acreditam nelas. Talvez isso ocorra porque elas foram levadas a acreditar nessas coisas quando eram tão jovens que aceitavam qualquer coisa.

Milhões de pessoas acreditam em coisas bem diferentes, porque diferentes coisas lhes foram ensinadas quando eram crianças. Coisas diferentes são ditas para crianças muçulmanas e cristãs, e ambas crescem totalmente convencidas de que estão certas e as outras erradas. Mesmo entre cristãos, católicos romanos acreditam em coisas diferentes dos anglicanos ou de pessoas como os shakers [adeptos da igreja milênio] ou quacres, mórmons ou Holy Rolers, e todos estão plenamente convencidos de que estão certos e os outros errados. Acreditam em coisas diferentes exatamente pela mesma razão que você fala inglês e Ann-Kathrin fala alemão. Ambas as línguas são, em seu próprio país, a língua certa para se falar. Mas não pode ser verdade que religiões diferentes estão corretas em seus próprios países, pois religiões diferentes afirmam que coisas opostas são verdadeiras. Maria não pode estar viva na Irlanda do Sul (um país católico) e morta na Irlanda do Norte (que é protestante).

O que podemos fazer sobre tudo isso? Não é fácil para você fazer alguma coisa, porque você só tem dez anos. Mas você pode tentar o seguinte. Da próxima vez que alguém lhe disser algo que parecer importante, pense: Será que isso é o tipo de coisa que as pessoas sabem por causa de provas? Ou será o tipo de coisa em que as pessoas acreditam só por causa de tradição, autoridade ou revelação? E, da próxima vez que alguém lhe disser que uma coisa é verdade, por que não perguntar: que tipo de prova há para isso? E, se ela não puder lhe dar uma boa resposta, eu espero que você pense com muito carinho antes de acreditar em qualquer palavra daquilo que foi dito.

De seu querido papai
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27.11.07

Deus, um Delírio

Quando era criança, minha mulher odiava a escola em que estudava e sonhava poder sair de lá. Tempos depois, quando tinha seus vinte e poucos anos, ela revelou sua infelicidade para os pais, e a mãe ficou horrorizada:“Mas, querida, por que você não nos contou?”. A resposta de Lalla é minha leitura do dia: “Mas eu não sabia que podia”.
Com essa anedota familiar Richard Dawkins, eminente zoólogo evolucionista e popular escritor de divulgação científica britânico, inaugura seu mais novo livro, The God Delusion (Deus, um Delírio na tradução em português). Ele descreve os malefícios que uma crença causa ao homem e como a religião alimenta a guerra, fomenta o fanatismo e doutrina as crianças. No trecho destacado acima ele fala diretamente àqueles que não estão certos de sua opção religiosa e que encaram a religião como um dogma tão imutável que não pode ser questionado. Ou que não sabem que pode ser questionado.

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03.12.2007 09h58

Atualizando o post. Quem se interessar pode baixar gratuitamente o prefácio da edição brasileira clicando aqui. O link aponta para o arquivo em PDF que está hospedado no site da Livraria Cultura. Boa leitura!

19.11.07

Argumentum ad baculum

Vejam só como essa gentinha pensa.


Encontrei esses dias aí pela internet duas imagens escaneadas desses folhetos que são sobejamente panfletados (leia-se confetizados) pelas ruas com motivos religiosos, mais especificadamente da Sociedade Bíblica Ebenézer, uma das centenas de denominações religiosas que poluem o já inchado sincretismo nacional. Como sempre me esquivo de receber qualquer coisa na rua, minhas chances de ter em mãos algo tão prenhe de manipulação textual de baixo calão são mínimas. Para facilitar a leitura, transcrevi o texto e o posto abaixo ipsum literis, cabendo ao autor do texto a responsabilidade pela sua publicação e distribuição nas ruas:

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Carta do Além

Imagine se o diabo resolvesse escrever uma carta para alguém aqui da Terra. Dessas pessoas folgadas, que não estão nem aí com Deus ou com a igreja. Creio que ela seria mais ou menos assim:

"Caro amigo":
Saudações infernais!
Estou tão ansioso por nosso encontro final que resolvi escrever-lh afim de manifestar minha paixão por você. Você é tão perverso, malvado e rancoroso!
A característica que mais admiro em você é esse seu desprezo por Deus. Noto que voce transgride todos os mandamentos da Bíblia.
Particularmente estou torcendo para que você adquira logo uma doença. Com sua vida promíscua, creio que isto não vai demorar.

Também torço para que você se arrebente quando dirigir bêbado. Isto o traria logo para meus braços, numa união eterna.
Outro dia, quando se livrou daquele chato que, com a Bíblia na mão, insistia que você mudasse de vida, nós fizemos a maior festa.
Para encerrar, espero que você firme. Fuja da igreja. Nunca ouça ou veja aqueles programas que falam do meu maior inimigo - Jesus.

Atenciosamente
Satanás

Esta carta é uma peça de ficção. Mas o seu conteúdo é verdadeiro. Se você não gostou do que nela está escrito, vai gostar menos ainda do inferno. Ainda há tempo de se arrepender de seus pecados e se entregar a Jesus.
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Um discurso tão carregado de falácias e argumentos vazios insustentáveis que me vi compelido a decupar os períodos e assinalar os mecanismos manipulatórios contidos no texto. Decerto não pude ser preciso o suficiente por se tratar de uma análise superficial e nem pude evitar derramar alguma jocosidade sobre o assunto. Se alguém se sentir de alguma forma agredido, não foi por mal(humor!).

Imagine se o diabo resolvesse escrever uma carta para alguém aqui da Terra. Dessas pessoas folgadas, que não estão nem aí com Deus ou com a igreja. Creio que ela seria mais ou menos assim: "Caro amigo": Saudações infernais! Estou tão ansioso por nosso encontro final que resolvi escrever-lhe afim de manifestar minha paixão por você.
Começamos mal...
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Você é tão perverso, malvado e rancoroso!
Apela para o argumentum ad hominem, com o agravante de ser baseado em preconeito não fundamentado, já que considera todos aqueles que não compartilham da mesma fé deles como perversos, malvados e rancorosos.
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A característica que mais admiro em você é esse seu desprezo por Deus.
Sinto muito, mas não dá pra desprezar o que não existe. Só posso desprezar mesmo a idéia de se inventar uma divindade para justificar os atos que o próprio povo que a inventa perpetra contra os seus.
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Noto que voce transgride todos os mandamentos da Bíblia.
E olha que eu nem me esforço pra isso...
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Particularmente estou torcendo para que você adquira logo uma doença.
Não basta apenas ameaçar, tem que rogar pragas como um xamã primitivo! Típico argumentum ad baculum, onde a força é elevada a categoria de argumento de convencimento.
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Com sua vida promíscua, creio que isto não vai demorar.
Repeteco do argumentum ad hominem.
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Também torço para que você se arrebente quando dirigir bêbado.
Repeteco do argumentum ad baculum. Gostaria apenas que esse pessoal se plagiasse menos e fosse mais criativo em seus "argumentos".
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Isto o traria logo para meus braços, numa união eterna.
Não obrigado. Além de lúcido, sou hetero.
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Outro dia, quando se livrou daquele chato que, com a Bíblia na mão,
Anos de treino. Uma cara fechada e uma mão espalmada são a defesa mais efetiva contra os chatos panfleteiros.
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insistia que você mudasse de vida,
Além de chato tem precognição também para (supor) saber como é minha vida?
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nós fizemos a maior festa. Para encerrar, espero que você permaneça firme.
Não tenha dúvidas disso, seu Capeta.
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Fuja da igreja.
A coisa mais sensata que um garoto de 14 anos poderia ter feito.
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Nunca ouça ou veja aqueles programas que falam do meu maior inimigo - Jesus.
A qualidade inerente deles já garante que meus olhos e ouvidos passem longe daquilo.
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Atenciosamente - Satanás
Esta carta é uma peça de ficção.
Nem precisava ter dito isso!
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Mas o seu conteúdo é verdadeiro. Se você não gostou do que nela está escrito, vai gostar menos ainda do inferno.
Argumentum ad baculum de novo. Ameaças, só conseguem argumentar com ameaças...
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Ainda há tempo de se arrepender de seus pecados e se entregar a Jesus.
Já disse que sou hetero. Favor não insistir, colega!
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14.11.07

Abóbora e ovos de chocolate na mesma gamela

Andando dia desses pela madruga do centrão carioca, dou de cara com vários desses cartazes colados pelas paredes da cidade.


Cortesia do Movimento Pela Valorização da Cultura, do Idioma e das Riquezas do Brasil (tenho certa antipatia por nomes que tentam explicar muita coisa, mas enfim...). A idéia básica poderia até me fazer dar o mindinho para o pessoal de lá quebrar, afinal, quem já trabalhou na Barra da Tijuca (alforreei-me de lá após quatro longos anos) sabe que é um lugar que para ser uma Miami só não falta o idioma.

Essas manifestações fortuitas na hora do orvalho me lembram sempre do pessoal dos diretórios acadêmicos da faculdade. Aliás, "comem na mesma gamela", já dizia minha finada vó Henriqueta. O DCE lá de onde estudei tinha um bandeirão enorme de Cuba em uma das paredes da saleta, bunker principal para distribuição de apitos e, mais recentemente, narizes de palhaço. Coisinhas de reacionários juvenis, assim como os estandartes, caras pintadas e gritos de ordem. Gente com saudade da ditadura, só pode. Só que esses cartazes antiamericanos, além do mau-gosto estético e da poluição visual que causa, são marcados também pela linguagem ignorante da dicotomização das opiniões, alheios ao fato de que a realidade é construída em tons de cinza. Do mesmo jeito que os religiosos e os partidários políticos extremistas (tanto canhotos quanto destros) enxergam o mundo, sob suas parelhas imaginárias que não lhes permitem o sadio hábito de perceber racionalmente.

À propósito, eu já disse que não gosto de Halloween? Nem de nenhuma dessas datas ritualísticas-comerciais que assolam o país, mas é gosto meu. Imagino o que professoras como a Tia Paula passam nessas épocas com seus queridinhos vestidos de vampirinho e bruxinhas. Já que citei a tal gamela como metáfora para duas ou mais coisas que se assemelham, a única diferença entre a sombria data americana e a Páscoa comemorada aqui são os doces, mas a dor de barriga por consumo em demasia de subprodutos culturais alienígenas é a mesma.

5.10.07

Paulo Freire de MP5 na mão

"As pessoas criam mitos para depois se decepcionar com eles."
Roberto Shinyashiki




Durante a prova da semana passada de Teoria da Comunicação 2 percebi o quanto o fenômeno Capitão Nascimento (facts!) do filme Tropa de Elite tornou-se de uma hora pra outra xodó instantêneo (e dessa vez com cara de quem vai permanecer mais do que os habituais quinze minutos sob os holofotes) de todos os que cometeram o delito de comprar/vender/baixar/assistir a obra do diretor José Padilha.

A prova estava até fácil, mas estava pintada com cores bem espartanas. Principalmente nos enunciados e no fato de serem quatro layouts diferentes para minimizar (e com sucesso!) o índice de cola, alternadas em dois sets de perguntas e dois textos distintos. Ao terminar a distribuição, ao que o primeiro chia da anámnese, lasco logo a carismática negação do caveira: "Perto de mim o coronel é uma moça!"

[risos], como os das páginas do velho Pasquim. Seguidos de uma daquelas perguntas idiotas que só perdem a liderança do ranking para a que se argui inocentemente se a prova pode ser feita a lápis... Lá do fundão, vem a já manjada vice-líder: se pode fazer a prova em dupla. Não, não sei porque perguntam isso. Deve ser pra irritar. Aí eu termino com um estiloso e definitivo "Xerife, o senhor é um fanfarrão!"

16.8.07

Canonização feita em casa

Ri sozinho durante cinco minutos ao ler essa receita do blog Ceticismo, ensinando como fazer um deus em 10 passos básicos. Depois de enxugar as lágrimas lembrei que, fora o extenso panteão criado para partidas de RPG, já tive minha experiência teogênica na distante oitava série.

Nessa época inventei de disseminar um boato para o dia 12 de junho. Era abril quando comecei a plantar (o boato!) aqui e ali que nessa data comemorava-se o dia de São Chaparral, padroeiro dos maconheiros, dos apreciadores de ganja e dos simpatizantes do cigarrinho do capeta. A história repercutiu além dos muros da escola e ganhou às ruas. Há uns anos escutei alguém falando no seu nome, mas nem sei se era o mesmo São Chaparral ou uma manifestação expontânea.

Como a essência das falácias e das lorotas são os detalhes, já no final do extinto segundo grau, completei algumas lacunas da história com dados mais fidedignos. A coisa ganhou ares de verdade quando anexei à lorota dados sobre a adaptação onomástica do nome Chaparral como sendo originado de Chamberlain, um padre jesuíta e missionário inglês que havia se desligado da ICAR e aderido as rastafarianismo lá pelos idos do séc XIX, em Georgetown, Jamaica.

São Chaparral, o primeiro santo apócrifo da igreja católica. Seu maior legado foi a introdução do defumador nas missas da liturgia católica e do consumo de hóstias salgadas ao final das cerimônias.

Amém.

9.8.07

Quasímodeus

Ontem uma amiga de uma comunidade passou o link de um vídeo do YouTube de uma montagem de fotos e vídeos em cima de uma música sobre o Lula (o que causou um certo desentendimento dentro da mesma motivado pelas posições políticas de certos membros...) Até aí, nada demais. Deve ser o duocentésimo vídeo sobre o mesmo paradigma patriótico de tempos de crise (que eu apoio, devo adiantar-me). A montagem está muito bem feita, com o tempo da música casando perfeitamente com as imagens. Parabéns ao btoscano24, autor do vídeo, pelo trabalho QUASE perfeito. Não estou tirando o mérito do trabalho do Toscano, tanto que o parabenizo mais uma vez pelo talento de videomaker e deixo a obra dele aqui pra quem quiser conferir:


Você ainda pergunta por que digo QUASE?

Logo no início (00:31), a música diz "uma elite sem deus é quem domina". Tenho certeza que ao escolher a música o autor se ateve ao conteúdo socio-político que o Zé Ramalho quis enfatizar na letra da mesma. É inegável que o compositor tenha tido êxito em sua obra — como já é costumeiro do artista — só que a mensagem está carregada, senão de preconceito, no mínimo com uma visão estupidificada pela ingenuidade da fé (prefiro chamar assim para não entrar no âmbito da hipocrisia teísta).

Como se o fato de alguém acreditar em uma mitologia tão prenhe de bobagens quanto qualquer outra inventada pelo homem, fizesse de tal crédulo alguém prontificado a melhorar a condição política vigente ou qualquer outra ação de benevolência. Isso é um conformismo tacanho e uma forma branda de demagogia acéfala em prol de uma crença que passou muito longe de ter feito bem para a humanidade. E todo mundo bate palma sem sem ao menos parar pra pensar sobre o que realmente estão escutando/assistindo por aí.

5.8.07

São Paulo

Cada vez que viajo para Sampa fico mais convencido de que que ali encontrei meu lugar. Espero morar lá em breve, tão logo a cadeia certa de acontecimentos venha a se desdobrar. Até lá, fica sendo minha segunda casa.

24.7.07

O Caramujo

Finalmente o Caramujo vai pra frente! Coloquei hoje no ar um blog sobre o projeto de um curta-metragem que passou três anos murchando os dedos boiando no lago de água parada do "bom-seria-se-fosse". O curta está sendo posto em prática em bases mais ativas com meu amigo David Sá comandando a animação, efeitos e pós-produção do molusco e eu roteirizando e dirigindo o filme.

O blog, uma espécie de caixa preta virtual contendo nosso cronograma de trabalho, material de bastidores, alguns concept-arts, textos, trechos animados e demais acontecimentos relacionados à produção do curta, vai abrigar também tudo que for sendo divulgado na mídia sobre o Anima Mundi, festival mundial de animação que esse ano aconteceu (que eu, claro, fui!) não só aqui no Rio de Janeiro (de 29 de junho a 8 de julho) como também lá em Sampa (de 11 a 15 de julho).

22.7.07

Rasura Livre

Não sei como passei tanto tempo sem conhecer (ou sem a curiosidade de procurar) o blog Rasura Livre, do cartunista Leonardo Costa Sinceramente não lembro de onde eu tirei que o sobrenome dele seria Costa.... Já o trabalho dele acompanho diariamente no jornal carioca Extra e uma ou outra charge no extinto Bundas.


Possuidor de um humor ácido, social e extremamente crítico, não poupa a igreja, os poderes públicos e nem os policiais militares, sua especialidade. O endereço (que esbarrei sem querer, como tudo na internet) está ativo desde março e vale a visita. Desde já faz parte da minha Estante de Blogs.

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21.10.2007 03h47

Atualizando o post. O nome correto do chargista supracitado é Leonardo Rodrigues Neto Lopes. Mineiro de Leopoldina, está carioca desde os 15 anos e há oito trabalha no Jornal Extra. Sofre religiosamente pelo Flamengo e pelo Barcelona.

20.7.07

Lamanjeiras

Desisti na terça feira de assistir a tal partida de baseball (ou beisebol, como manda a cartilha do aportuguesamento) depois de uma série de atrasos e adiamentos da partida Brasil x EUA. Um show de desinformação e falha da infra-estrutura. Continuando assim o esporte nunca vai ser popular por aqui.

No lugar dela fui assistir a semifinal e a final do taekwondo. Muito mais produtivo e interessante. E por falar em produtivo e interessante, uma sugestão para o lameirão:


11.7.07

Maldade no PAN

Não sei se foi coisa de traficante avisando quem é que realmente manda no pedaço ou apenas vandalismo puro e simplório (um dos piores stencils que já vi...), mas o Complexo Esportivo do Maracanã amanheceu com uma série de pichações onde uma versão "do mal" do Cauê, mascote-símbolo do PAN2007, segurando um fuzil e com cara de poucos amigos inocentes.

Antevendo a onda e sem perder a piada o cartunista André Dhamer, criador da tirinha online Os Malvados, há cerca de um ano já havia sacaneado o clima oba-oba do evento esportivo em meio a caos-quase-estado-de-guerra que anda poluindo a nossa Cidade Maravilhosa. Saca a comparação:



Pior foi ver policial civil repintando o muro de branco...

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Post Scriptum: Estou falando mal e pode até parecer hipocrisia, mas eu vou a pelo menos um dia assistir uma modalidade esportiva que eu curto bastante: Baseball, que vai ser disputada na Cidade do Rock (isso porque futebol americano não consta no quadro de esportes oficiais das olimpíadas...). Outro dia conto como foi.

11.6.07

Planetário

Nesse domingo eu fui ao Planetário da Gávea, um programa absolutamente perfeito para levar os petizes que nutrem interesse por ciência, sobretudo astronomia e evolução humana. Um lugar com dezenas de experiências e demonstrações dos fenômenos físicos espaciais. Inclusive com uma nave que ensina sobre os planetas, gravidade e principais características.

Outro ponto forte é o ensino de ciência elementar, sem influências criacionistas tolas ou fanatismo. Dentre muitas atrações interativas, um jogo ensina quais as características principais um sistema estrela-planeta precisa para poder suportar vida (magnitude estelar, massa do planeta e distãncia da estrela), perfazendo depois em caso de acerto todo o caminho da vida, desde seus blocos mais simplificados (elementos quimicos e moléculas) até os organismos mais complexos.

Mas bacana mesmo são as apresentações com projeção de multivídeo na cúpula principal, onde o filme fala dos mitos gregos e como eles acabaram por dar nome aos planetas e demais astros do cosmo. E frisando bem na palavra "mitos" e de como ela significa deuses inventados pelo homem no decorrer de sua infância na terra, e de como essas crenças do passado são incompatíveis com a sociedade moderna (não citam as crenças cristãs ocidentais, mas ok...).

Tudo isso por apenas R$6 por pessoa (para os cariocas, basta apresentar a carteira de identidade para ganhar desconto de 50% no ingresso). Essa e outras promoções da cidade estão aqui.

8.6.07

Gayneralização

Estava outro dia discutindo na comunidade Ateus-BR sobre casamento homosexual e me surpreendi com a opinião de um dos participantes do fórum. Como a maioria das pessoas ignorantes, desconhece a atitude humanística de olhar, se não todos, pelo menos a maioria dos ângulos de uma questão. O supramencionado era contra o enlace por motivos puramente preconceituosos, ignorando a necessidade que gays e lésbicas têm daquele papel.

Tenho certeza que os homosexuais não querem entrar obrigatoriamente de véu e grinalda numa igreja, para se casar conforme manda o figurino cristão (até porque eles não são bem-vindos dentro daquelas portas). Mas a igreja, com sempre, quer se intrometer na discussão social do tema, objetivando proibir a união inclusive em terrenos onde ela jamais deveria pisar: na sociedade civil organizada. Assim como o papa e a massa cristã cega, não vê a importância social da união civil legal, apenas vê o lado festivo da coisa, achando que "os degenerados" querem imitar os ritos da sagrada família católica.

Não percebem o quanto uma certidão de nascimento é importante para os homosexuais, como por exemplo para financiar a compra de um imóvel, pagar um único plano de saúde, garantir os direitos legais em caso de morte do parceiro(a) ou para assinar pelo cônjuge em caso de acidentes. Para quem não precisa, como a maioria onde me incluo, tais certidões são completamente desnecessárias, são meros documentos impressos para deixar meia dúzia de viados contentes, não é mesmo?

O melhor caminho para se cometer injustiças é a generalização. Mesmo em casos rigorosamente iguais sempre tem algumas nuances sutis que impedem que tudo seja amarradao na mesma situação-estanque. E espero que a sociedade tenha um pouco de bom-senso e comece a pensar mais com o cérebro do que com o músculo do medo.

2.6.07

H.L. Mencken

Em tempos de visita do Papa Bento XVI ao Brasil, lembrei-me desses breves parágrafos de Henry Louis Mencken (1880-1956) jornalista literário americano e um satírico por excelência. Dou créditos aqui para o Fabiyo/CBCC por ter postado primeiro essa jóia.

"É uma boa notícia para aqueles românitcos otimistas que gostam de acreditar que a espécie humana é capaz de atos racionais. O que poderia ser mais lógico do que o suicídio? O que poderia ser mais despropositado do que continuar vivo? No entando, todos nos agarramos à vida com desesperada devoção, mesmo quando o que resta dela é palpavelmente frágil e cheio de agonia. Metade do tempo dos médicos é desperdiçado bombeando vida em cacos humanos, que não têm nenhuma razão inteligível para continuar vivendo, asism como uma vaca tem para continuar dando leite.

Passo por cima das objeções teológicas à autodestruição por serem muito sofísticas para merecerem resposta séria. Desde o começo, o cristianismo pintou a vida na terra como algo tão triste e vazio que seu valor se tornou indistinguível do de uma merdinha. Então, para que aferrar-se a ela? Simplesmente porque sua inutilidade e dissabores são parte da vontade do Criador, cujo amor por Suas criaturas consiste curiosamente em torturá-las. Se elas se revoltam nesse mundo, serão toruratas um milhão de vezes mais no próximo."


Antes que me acusem sem conhecimento de causa, ateus respeitem sim a vida e nem de longe fazemos pouco caso dela. Se formos olhar pelo lado metafísico, nós damos um valor muito maior para a existência terrena, uma vez que não acreditamos em vida após a morte, reencarnações e etc. Mas apenas creio que as discussões sobre o aborto e a eutanásia deveriam estar separadas da esfera clerical, permanecendo no campo laico da sadia opinião pública despida de preconceitos e cegueira religiosa. Mas isso é assunto para outro post.

10.5.07

Capelão do Diabo - REDUX

"A razão pela qual a religião organizada merece franca hostilidade é que ela é poderosa, influente, isenta de impostos e, além disso, sistematicamente transmitida a crianças que não têm idade suficiente para se defender."


Da série "coisas que eu gostaria de ter dito/escrito". O citado é Richard Dawkins, biólogo, em seu Livro O Capelão do Diabo. Invejo profundamente pois ele disse, em exata medida, minha idéia sobre a religião como um todo. Aliás, em tempo: eu não sou radicalmente contra as religiões e até mesmo contra o conceito da existência confortadora de um deus oni-qualquercoisa, embora seu papel principal tenha se esgotado nas primeiras eras de nossa breve existência nesse planeta. Deus só serviu para explicar aquilo que nós não conhecíamos, o ápice que nossa mente pouco mais que simiana conseguiu fazer para pôr ordem nos mistérios físicos. Deus é filho do medo, da estupidez.

Uma vez evoluídos (não muito, é verdade), as crenças em algo sublime e superior deveriam evanescer e soçobrar nas areias do tempo, mas o que foi visto foi justamente a manutenção de tais mitos e crendices com o fim de dominação. A igreja sempre foi um moto-perpétuo movido pelo rico óleo negro da ignorância. Hoje ela ainda tem seu papel. A religião e as crenças em algo superior e transcedente a nossa própria natureza terrena, servem de muleta moral para aqueles que, seja motivados por uma criação inadequada ou por uma índole naturalmente deturpada. E assim como uma muleta, pode causar dependência, como aquele homem que por modo de cair de novo, não desgarra de seu apoio mesmo tendo seus dois pés fluentes na sua alternância empurrando chão para trás.

9.5.07

Gerin Oil

"O Gerin Oil (ou Óleo de Gerin/Geriniol para dar o seu nome científico) é uma droga poderosa que age diretamente no sistema nervoso central e produz uma variedade de sintomas, frequentemente do tipo anti-social ou auto-destrutivo. Se administrada por longos períodos na infância, o óleo de Géria pode, permanentemente, afetar o cérebro e produzir enfermidades no adulto, incluindo arriscadas ilusões, que se provaram muito difíceis de tratar. Os quatros aviões condenados do dia 11 de setembro foram, em realidade, êxtases produzidos pelo óleo de Géria: todos os 19 seqüestradores estavam sob a ação deste estupefaciente. Historicamente, a intoxicação deste agente foi responsável por atrocidades como a caça às bruxas de Salém e os massacres de índios sul-americanos pelos conquistadores. O óleo de Géria estimulou a maioria das
guerras na Idade Média européia e, em tempos mais recentes, a carnificina que se seguiu com a divisão do subcontinente indiano e, em menor escala, do território irlandês.

A dependência ao Gerin Oil pode levar, anteriormente, indivíduos sãos a escapar da normalidade da vida humana e se recolher em comunidades fechadas em que todos as outras pessoas, que não comungam a droga, estão excluídas. Estas comunidades são quase que limitadas a apenas um gênero sexual, com freqüência obsessiva, proíbem a atividade sexual. De fato, a tendência ao sexo torturantemente proibitivo emerge tristemente como um tema recorrente da sintomatologia variegada do Gerin Oil. Ele não parece reduzir a libido "per se", mas, frequentemente leva a um lascivo desejo de interferir, e preferencialmente reduzir, no desejo sexual dos outros. Um exemplo comum é a abominação que os usuários do Gerin Oil sentem pelos homossexuais, mesmo quando se deparam com os que têm uma longa, e amorosa, relação.

Como outras drogas conhecidas, o Gerin Oil refinado em doses pequenas é largamente considerado não prejudicial, e serve como fator de coesão em ocasiões como casamentos, funerais e cerimônias de estado. Especialistas diferem quanto ao uso social da droga, que embora inofensivo em si mesmo, possa ser um fator de risco dando azo a dosagens cada vez maiores e, por fim, o vício.

Doses medianas de Gerin Oil, embora não sejam perigosas exatamente, podem distorcer a percepção de realidade. Crenças que não estão baseadas em fatos podem acabar imunizadas de evidências do mundo real pelo efeito direto da droga no sistema nervoso.

Agerinados podem ser vistos falando com as paredes ou murmurando consigo mesmos, aparentemente crentes que seus desejos particulares, assim expressos, se tornarão realidade, mesmo com o custo do bem estar do próximo e branda violação das leis da Física. Esta desordem auto-locutória é frequentemente acompanhada por tiques estranhos e gestos com a mão, estereótipos insanos tais como menear a cabeça na frente de muros, ou Síndrome da Orientação Compulsiva Obsessiva (SOCO: se virar para o leste, cinco vezes por dia).

Gerin Oil em altas doses pode ser alucinogênico. Usuários crônicos podem ouvir vozes em suas mentes, ou ter visões que parecem, aos viciados, tão reais que frequentemente acaba por persuadi-los de sua tangibilidade. Um indivíduo que se mantêm, sempre, sobre o pico de alucinações pode ser venerado como líder de discípulos que se consideram menos equipados. Tal subseqüente patologia pode ser levada adiante mesmo que o líder venha a falecer, e pode se propagar na forma de bizarra psicodelia, tal como a fantasia canibalística de "beber o sangue e comer a carne" do líder.

O uso continuado de Gerin Oil pode acarretar "viagens ruins"; nas quais o usuário pode sofrer de ilusões mórbidas e pavores, medo de sofrer torturas principalmente, não no mundo real, mas em um mundo "post mortem" de fantasia. "Viagens ruins" deste tipo são ligadas a uma cultura de punição na qual é característica da droga é a o temor obsessivo da sexualidade, já apresentado aqui. A Cultura da punição, incrementada pelo Gerin Oil vai desde o "ósculo", passando pelo "flagelo" até a "pedra", (utilizada especialmente contra adúlteras e mulheres violadas), a "desmanificação" (amputação de uma das mãos), e culmina em uma sinistra fantasia induzida pela droga que "allo-punição" ou "resgate pelo sacrifício do puro": a execução de um indivíduo pelos pecados de outros.

Você poderia pensar que dado o potencial da droga, para a dependência e periculosidade, ela deveria estar no topo da lista de tóxicos proscritos, com sentenças exemplares para quem a traficasse. Mas não, é facilmente obtida em qualquer lugar do mundo e nem de receita se precisa. Traficantes profissionais são em grande número, e se organizam em cartéis, comercializando abertamente nas esquinas e lugares erigidos com este fim. Alguns destes cartéis são adeptos de "tosquiar" pessoas pobres e desesperadas para satisfazer seus costumes. Seus chefes ocupam altos postos, onde exercem grande influência, e são ouvidos por reis, presidentes e primeiros ministros. Governos não apenas são permissivos com eles, mas, ainda lhes garantem isenção de impostos. Pior, os governos subsidiam suas escolas, fundadas com a intenção específica das crianças saírem de lá já viciadas."


Mais uma da série "coisas que eu gostaria de ter dito/escrito" e também mais uma pérola de Richard Dawkins, professor de popularização da Ciência em Oxford, e um ateísta engajado. Este artigo foi anteriormente publicado pela revista “Free Inquiry” com o título "Opiate of the Masses" (Gerin Oil). Soberbo em sua criatividade, Dawkins dá um parecer "bio-químico" de como a religião organizada insufla o ódio, a discriminação e a intolerância por onde quer que esteja. Alheios à razão, os sacerdotes e líderes eclesiásticos só enxergam como únicos e intransponíveis seus valores morais e de como enxergar a vida. São todos "Ateus-1". Um dia escrevo sobre isso.

Créditos a Hrrr, da comuna Ateus - BR, por compartilhar o texto.

8.5.07

Murphy era uma Poliana otimista

O que parecia impossível, improvável ou mesmo impensável, acaba de acontecer. Esqueci a senha do meu blog. Já não bastasse isso aqui viver às moscas com minhas postagens erraticamente sazonais, o mané aqui ainda consegue quase acabar com tudo. Contudo, tive facilidade em refazer o layout antigo usando o source original. Prometo que esse será mais habilmente gerido e freqüentemente atualizado. Se nada mais der errado...

E vai dar.

7.5.07

Performance

"É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito", já dizia Herr Einstein. Em instâncias que não cabem aqui serem descritas, fui informado que minha performance tem que melhorar. Seja lá o que isso signifique, me parece mais uma boa e velha demagogia clerical transportada para um ambiente que deveria, antes de todos os outros, valorizar um impresso pela qualidade linhas escritas, e não pela reles tinta que mancha as páginas. Isso me deixou muito puto.

6.5.07

If She Wants Me

"You are too young to put all of your hopes in just one envelope"


Trecho de uma musiquinha grudenta que uma amiga me indicou, If She Wants Me - Belle & Sebastian. Não é nem um pouco meu tipo de música, nem para os momentos de calmaria, mas esse verso me lembrou sobremaneira de uma menina maravilhosa que conheci lá pelos idos de 1900 e segundo grau (o que hoje chamam de Ensino Básico, no jargão pedagógico...), e que me balançou alguns graus além do que o velho Richter previra ser possível. Embora apaixonado, fiz muito mal àquela que, por razões absolutamente compreensíveis, não quis me ver nem cromado e polido.

Ano passado, no aniversário dela (29 de Junho), madei-lhe uma carta felicitando-a pela data e falando tudo aquilo que queria ter dito antes, abrindo minha camisa pro pelotão executar sem dó. Talvez não me sentisse mais tão jovem para por esperanças em um envelope (mesmo que digital. Outros tempos...), embora a sensação de angústia tão logo cliquei para enviar me tenha tirado o sono nas noites seguintes. Não escrevi pretendendo tê-la pra mim, pois sei que eu mesmo teria dificuldades de relevar. E além disso, 140Kg de rudeza medieval é pesado para qualquer uma. Entendo, compreendo e aceito. (Explico essa expressão outro dia). Apenas escrevi com o intuito de elucidar e dar vasão aos litros reprimidos na pleura. Mas, bem lá no fundo, tudo que eu sempre sonhei (e ainda sonho) é que ela me veja sob o mesmo prisma que eu a vejo.

5.5.07

Caneca Orbital?

O estranho nome desse blog é devido a uma metáfora bem-humorada de Bertrand Russell. Este pensador, matemático e filósofo inglês costumava dizer que não há nenhuma evidência concreta da existência de deuses, e que afirmar o contrário era o mesmo que dizer que há um bule de chá em órbita do Sol, entre a Terra e Marte, mas ninguém pode detectá-la. Tanto divindades quanto a tal peça de porcelana voadora são hipóteses impossíveis de serem provadas, dada as condições fantásticas inerentes a ambas. Como o dragão na garagem de Sagan, só que com apenas uma asa. Nas palavras do próprio Russel

Muitos indivíduos ortodoxos dão a entender que é papel dos céticos refutar os dogmas apresentados – em vez de os dogmáticos terem de prová-los. Essa idéia, obviamente, é um erro. De minha parte, poderia sugerir que entre a Terra e Marte há um pote de chá chinês girando em torno do Sol em uma órbita elíptica, e ninguém seria capaz de refutar minha asserção, tendo em vista que teria o cuidado de acrescentar que o pote de chá é pequeno demais para ser observado mesmo pelos nossos telescópios mais poderosos. Mas se afirmasse que, devido à minha asserção não poder ser refutada, seria uma presunção intolerável da razão humana duvidar dela, com razão pensariam que estou falando uma tolice. Entretanto, se a existência de tal pote de chá fosse afirmada em livros antigos, ensinada como a verdade sagrada todo domingo e instilada nas mentes das crianças na escola, a hesitação de crer em sua existência seria sinal de excentricidade.

Além de algumas perfumarias mais pessoais, os (poucos) leitores vão encontrar aqui reflexões e ensaios curtos sobre religião, esse conceito criado na aurora da nossa existência pouco mais que simiesca nessa terra, buscando desesperadamente uma explicação corfortadora para um sem-número de fenômenos que ocorriam à nossa volta, que sempre viveu da ignorância e do medo, aquele que Petrônio já conhecia como nossa pedra fundamental. Esse conceito sobreviveu ao tempo na mente medrosa que esses mesmos deuses inventados pudessem nos castigar por não acreditarmos nas suas palavras inventadas por nós mesmos.