21.2.08

Um golpe contra a liberdade de imprensa

O editorial abaixo foi retirado do site do Estadão e reflete o profundo amálgama de desgosto, revolta e nojo que acomete todos que lutam por um estado laico e livre da influência perniciosa da religião dentro do mecanismo do país. A IURD, que já vinha usando os poderes da própria comunicação para atingir seus objetivos puramente financeiros, agora pretende parasitar o judiciário e reinstaurar a censura no país, e o pior: dentro dos tramites legais. Como se já não bastassem as pressões que a própria profissão já impõe (já trabalhei em jornal e sei como é o corre-corre), para o nosso próprio bem espero que profissionais como a jornalista Elvira Lobato não se deixem oprimir por tais armadilhas obscenas que vão de encontro com a própria democracia.

O presidente Lula pode ser perdoado por não saber, talvez, o que são liberdades negativas. Cunhada por um dos mais notáveis filósofos políticos do século 20, Isaiah Berlin (1909-1997), a expressão designa, entre outras, a liberdade de não sofrer abusos ou de não ser intimidado. Nas sociedades abertas, elas fazem par com as liberdades positivas, a começar daquela da qual dependem todas as demais - a liberdade de expressão. Já o que não se pode perdoar a Lula é a sua solidariedade, acondicionada em transparente hipocrisia, aos atos intimidatórios desencadeados contra a Folha de S.Paulo e outros jornais pela Igreja Universal do Reino de Deus, ou, nominalmente, pelos seguidores do notório fundador da seita, o autoconsagrado bispo Edir Macedo. Para a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), trata-se de uma campanha coercitiva sem precedentes no País.

A pretexto de serem ressarcidos por alegados prejuízos morais - demandando valores suspeitamente modestos, não superiores a R$ 10 mil -, "pastores e fiéis", como que em iniciativas distintas, mas com textos praticamente idênticos, pediram a abertura de 56 ações em 56 municípios espalhados pelo País. A orquestração foi caracterizada pela Associação Nacional de Jornais (ANJ) como "uma iniciativa capciosamente grosseira e que afronta o Poder Judiciário, já que pretende usá-lo com interesses não declarados". Não por outro motivo, dois dos cinco juízes que até agora se manifestaram sobre as petições, todos se recusando a acolhê-las, condenaram os seus autores por litigância de má-fé. Foi essa a "estréia" da represália do "bispo" Macedo, por interpostas pessoas, a uma reportagem da jornalista Elvira Lobato, publicada em 15 de dezembro na Folha, sobre o seu "império empresarial".

Direta ou indiretamente, apontava a reportagem, ele é o maior detentor de concessões na mídia eletrônica brasileira - são 23 emissoras de TV, entre elas a geradora da Rede Record, e 40 de rádio. A elas se somam 19 outras empresas diversas. A extensão financeira do conglomerado, registrada no paraíso fiscal de Jersey, no Canal da Mancha, serviria para esquentar os dízimos recebidos pela Universal. Se a igreja e o seu fantasticamente bem-sucedido CEO pedissem a abertura de processo contra o jornal e a jornalista, no foro apropriado, seria um caso legítimo de quid pro quo. Nessa hipótese, o presidente Lula estaria certo ao dizer que "a liberdade de imprensa pressupõe isso". Mas ele sabe que a liberdade de imprensa não pressupõe que a parte atingida responda com ações simultâneas em 20 Estados. "Isso" é uma tentativa torpe de amordaçar os meios de comunicação sob a capa de uma busca legítima de reparação pela via judicial.

Ora - mais uma vez a pergunta se impõe -, a quem o presidente pensa que engana? Ele e Edir Macedo são aliados que confraternizam ostensivamente. O braço político da Universal, o PRB, faz parte da coalizão lulista. A ele é filiado o vice José Alencar. E por aí se chega à essência da questão. A ameaça de fundo à liberdade de imprensa - e à democracia que, segundo Lula, a avalanche de ações retaliatórias "vai consolidando no Brasil" - reside na apropriação de um bem público, o espaço por onde trafegam os sinais de rádio e TV, por emissoras confessionais a serviço do interesse político de seus controladores. A concentração de poderes midiáticos em mãos de supostos salvadores de almas - que, de resto, se comportam como adeptos de Mammon, o deus pagão do dinheiro - não é menos nociva do que o chamado coronelismo eletrônico das oligarquias políticas regionais.

Onde a separação entre Estado e Igreja é um princípio inerente à ordem constitucional, como é o caso do Brasil, governo algum tem o direito de prestigiar um grupo político indissociável de uma entidade religiosa. Mas é o que faz, sem tirar nem pôr, o governo atual. É de pasmar a indiferença, ou a cumplicidade, do presidente da República com os golpes desferidos contra órgãos de mídia para lhes causar transtornos tais que possam induzi-los no futuro a hesitar a expor, a bem do interesse da sociedade, a face oculta de figuras e organizações que se nutrem da (ingênua) confiança popular. O lulismo já demonstrou antes que não é bem um baluarte da liberdade de imprensa. Agora, Lula foi além das tamancas.

Fazendo coro junto ao blog Ceticismo.

20.2.08

Sobre divindades em cenários de RPG

Todo mundo que me conhece pessoalmente sabe que jogo RPG, meu hobby desde os 11 anos. Mas como a gente cresce e amadurece, evoluem também as formas críticas de enxergar as coisas. Dia desses estava pensando na possibilidade de se criar um personagem genuinamente ateu/agnóstico dentro de um mundo de fantasia, onde a magia e a divindade sejam fatores reais. Como não acreditar no que é óbvio, no que é rico em provas que o corroborem in loco? Insanidade, talvez! hehe

Hmmm... Isso me deu uma idéia pra um personagem...

Atualmente tenho jogado apenas D&D, pois meu grupo original de GURPS está com problemas para sincronizar os horários livres (todos vocês devem ter passado por isso, principalmente os veteranos). Isso me levou a conhecer um pouco mais o sistema de ano e meio pra cá e tenho observado algumas coisas curiosas.

Quanto ao teísmo o D&D é muito mais hermético no tocante à liberdade de um personagem ser ateu, já que a classe dos Clérigos e Paladinos é uma prova da existência de seres onipotentes (ou quase) dentro do cenário, já que são operadores de magia divina. Fora as aparições reais de avatares, milagres, intervenção real no mundo através de seus poderes etc.

Mesmo o GURPS, quando o cenário permite isso, o fato de ser um sistema genérico permite uma maior flexibilidade enquanto que para isso o D&D exige um uso mais abrangente e mais grave da Regra de Ouro. Ou seja, você pode abdicar da presença divina e seu personagem pode não acreditar, se assim desejar. Ainda assim, dada a característica de onipotência do próprio Mestre, muitas coisas podem acontecer que certamente colocariam um personagem em dúvida, já que o divino apenas se esconde atrás de um escudo de papelão e rola dados em segredo...