Pedofilia e Igreja Católica
Apesar de vivermos em um país com alto índice de criminalidade em todas as camadas e setores sociais, reparo que mantemos sempre uma passividade incoerente com a revolta e a angústia que certamente acomete a todos os indivíduos cujo sangue não está estagnado nas veias. Sintoma agravado pela sensação de impunidade que as vantagens que o sistema penal possibilita a quem sabe como explorá-lo. E essa morosidade bovina não condiz com a vertiginosa cadeia de notícias que estala em nossa face a cada vez que ligamos a TV ou lemos um jornal matutino. Talvez por isso mesmo, não temos mais tempo para nos emocionar, dada a cadência de jabs de direita que levamos à cada assalto que disfarça o bizarro, sempre alheio, que nos entretém entre uma novela e outra.
Mesmo imerso nesse colóide viscoso (do qual a publicação infracitada certamente faz parte), não perdi a capacidade de me chocar, ainda bem. A Revista Superinteressante de dezembro trás na capa uma matéria que promete tumultuar as caixas de correio da redação para janeiro. "Sexo na Igreja", berra em letras garrafais, subentendendo que o delicado assunto pedofilia virá a tona. E dessa vez pegaram pesado. Fiquei perplexo com os casos de abusos de menores apurados pela reportagem dentro da igreja católica, alguns inéditos (pelo menos pra mim) e de uma frieza que me deixou até zonzo de repugnância.
É claro que tais crimes infelizmente não são novidade, mas o que leva homens religiosos (como se isso significasse algo...) a integrar a classe mais pérfida e digna de extermínio sumário que habita esse planeta? Algumas respostas empíricas, algumas tão bitoladas quanto estúpidas, no fórum da revista.
Vou transcrever com todos os grifos originais da matéria o primeiro parágrafo, que corresponde ao diário do padre Tarcísio Tadeu Sprícigo, condenado a 15 anos de prisão por abusos sexuais contra crianças.
"Idade: 7, 8, 9, 10. Sexo: masculino. Condição social: pobre. Condições familiares: de preferência, um filho sem pai, sozinho — ou com uma irmã. Onde procurar: nas ruas, escolas, famílias. Como fisgar: aulas de violão, coral, coroinha. Importantíssimo: prender a família do garoto. Possibilidades: garoto carinhoso, carente de pai. Sem moralismo. Atitudes minhas: ver do que o garoto gosta e atendê-lo em cobrança à sua entrega a mim. Como me apresentar: sempre seguro, sério, dominador, pai."
Não se trata de alguém cujas punções sexuais reprimidas eclodem em um impulso lascivo, comum a qualquer animal sob tais circunstâncias de celibato forçado. Trata-se de alguém que premedita a agressão e que sabe muito bem o que está fazendo, como comprova o diário onde descrevia o mudus operandi de cada um de seus ataques. Quando acusado pela primeira vez em 2001 na cidadezinha de Agudos por abusar de um menor de 9 anos, a medida tomada pela diocese responsável pela paróquia foi a de simplesmente transferir o pedófilo para outra cidade, onde ele pôde tranqüilamente repetir seu vício carnal e abjeto em mais duas crianças. Detalhes aqui.
Para não dizerem que se trata de preconceito contra um grupo religioso, dados de um estudo chamado John Jay Study que desde 1950 mapeia e cataloga as acusações feitas contra padres que abusaram de menores de 18 anos. Os números mostram que os casos de pedofilia dentro da igreja são de ordem tal que superam a incidência na sociedade secular. No mínimo quatro vezes mais crianças são estupradas ou levadas a ter relações sexuais com adultos dentro de uma igreja católica do que fora dela!
"Só nos EUA, único lugar com estatísticas concretas sobre padres que cometeram abusos sexuais [com menores], 4.392 sacerdotes católicos foram denunciados por esse tipo de crime entre 1950 e 2002. Isso dá 4% do total de pessoas que exerceram o sacerdócio no país nesse período. Um número alto, ainda mais tendo-se em mente que menos de 1% da população pode ser classificada como pedófila."
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