4.11.10

A sedução fascista*

Em um daqueles cliques ocasionais do twitter caí lá no blog Meme de Carbono, do Roney Belhassof, que tive o prazer de conhecer em uma palestra na Geek Week UniMSB dando a palestra mais nerd deste lado da Grota e li algo que até então não tinha me dado conta: o fascismo está muito presente em nossa cultura, e não é só na política passada ou em ataques factóides pré/pós-pleito que estou falando. O conteúdo integral você pode ler nesse link aqui.

No post ele cita Umberto Eco em seu texto "O Fascismo Eterno", parte da coletânea Cinco Escritos Morais, onde o escritor italiano descreve as 14 características do Ur-Fascismo: (1) Culto da Tradição, (2) Recusa da Modernidade, (3) Culto da ação pela ação, (4) Rejeição de Críticas, (5) Culto ao medo das diferenças, (6) Frustração individual, (7) Nacionalismo, (8) Inimigos poderosos, (9) Vida para a luta, (10) Elitismo-popular, (11) Heroísmo é norma, (12) Machismo, (13) Populismo Qualitativo
(14) Uso da Novilíngua (neologismo de George Orwell, 1984).


Nas palavras do próprio Roney:

"O fascismo pode ser visto como um bug do software humano, talvez o resultado do confronto entre nossos instintos animais e nossa consciência humana. O fato é que ele é capaz de assombrar a todos nós e pode ser usado para manipular praticamente qualquer pessoa desatenta."

Só cometi o abuso de sugerir uma palavra talvez mais eficiente que bug para melhor exprimir os reflexos fascistas residuais em qualquer fundamentalismo (do futebol à religião, passando por política aos sistemas operacionais), mas sim abandonware, aquele que a gente instala uma vez, esquece que está lá e geralmente é responsável por travamentos, telas azuis e conflitos de drivers.

Imagino que um dia, o que quer que tenha sido os rudimentos do fascismo, deve ter sido útil à unidade tribal em diversas partes do mundo e em diferentes graus confore a cultura local. Dentro dos 14 pontos levantados pelo Eco, cruzei-os com dois fatores antropológicos que nos diferenciam do resto de nossos compadres animais: a capacidade de comunicação e as ferramentas culturais da guerra, estancadas sob dois augúrios:

O GRITO – O que nos fez indivisíveis e imiscíveis com os outros clãs. A língua, os modos, os valores, o conhecimento de um suposto mundo espiritual e a certeza de que ele existe e regula as vidas da aldeia, atrelado à sabedoria intrínsica que só o clã sabe a verdade sobre o mundo. Sob o signo do GRITO, habita nossa cultura grupal, a consciência, numeradas pelo Eco como 1, 2, 3, 4, 5, 10, 13 e 14.

O CAJADO – O contingente guerreiro. As histórias de batalhas. O aumento dos feitos através do aumento do tamanho do inimigo (para que a glória da vitória seja aumentada pelo mesmo multiplicador). O sangue, o corpo, as medalhas, os discursos, seixos, estátuas e marcos dos conflitos de onde se saiu vencedor, todos inquilinos da forma mais primal de violência, o CAJADO, listadas como 6, 7, 8, 9, 11 e 12.

Resumindo, o GRITO e o CAJADO seriam alegorias que marcaram nosso passado como espécie de forma tão profunda e indelével que é difícil esquecer, de um passado tão remoto e enterrado em camadas e camadas de tempo que hoje mesmo são poucos que reconhecem esses traços simiescos em nossa mente. Talvez o fascismo seja o eco guardado centenas de milhares de anos na nossa carne, que se recusa a sair de nossa memória, reverberando na mente nos momentos menos vigilantes. Na seara da sobevivência quando o primeiro de nós gesticulou, gritou e berrou e isso serviu para alertar o bando de um predador que se aproximava, se fezendo enteder em meio ao desespero, fez daquele pequeno clã barulhento um pouquinho mais apto a sobreviver aos rigores do dia e da noite. Com o tempo a vivência dos perigos, as histórias das caçadas, as técnicas e os ensinamentos puderam ser transmitidos às gerações futuras. Penso se não houve um momento lá atrás, quando o primeiro de nós entendeu que não era necessário gastar energia e bater forte em um oponente para reduzi-lo ao seu lugar submisso. Bastava apenas levantar a mão que o outro abaixava a cabeça. Erguer a voz para que outras vozes se calassem. Um amálgama dos dois termos seria juntar a ameaça que domina o corpo com a palavra que aprisiona a mente. Uma punição tão terrível e cruel, muito além de qualquer castigo físico presente, mas uma condenação da própria essência em um não comprovado pós morte ilusório.

Faltou nessa lista a imagem do Grande Pai, o líder, a figura de autoridade e amor que irradia sua liderança e serve de foco para as mentes dos que estão sob seu jogo. Eco não colocou em sua lista, mas acrescento-a aqui com o devido crédito. A expressão foi contribuição do @Tradsouza via Twitter). O Grande Pai é o guia, exorta e acalma a base, conforme a necessidade, a trabalhar duro, sustentar as camadas superiores com parte do seu suor, se anular como indivíduo para fortalecer a unidade da massa. O Grande Pai é justamente a entidade que empunha o CAJADO e entoa o GRITO, que usa a força para conseguir o que quer e evoca as palavras que conduzem o rebanho.

Acho que a essa altura já preparei o terreno para onde quero chegar, assunto do próximo post: se procurarmos direitinho veremos que tampouco faltam exemplos monoteístas que seguem a cartilha dos 14 passos do fascismo. Amém?

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*Cometi a indelicadeza de copiar o título do Roney, mas o motivo será compreendido na próxima postagem, já que fazem parte de um mesmo raciocínio.

Um comentário:

Leo disse...

palavra do senhor.

(ele está no meio de nós).