17.11.08

Gayneralização [2]

Recentemente o Caneca Orbital tem mostrado um pouco de vocação para falar de política, seja comentando as eleições municipais cariocas ou mesmo as presidenciais americanas. Em outra ocasião trouxe à baila a questão do preconceito contra homosexuais, uma questão que me incomoda não só pelo fato de ter um número considerável de amigos gays e lésbicas, mas também por uma questão de tolhimento e desrespeito pela liberdade humana.

Através do jornalista João Marinho do blog Gospel Gay, que fez um bom trabalho de divulgação do próprio trabalho na comunidade Ex-Evangélicos, pude saber sobre a coragem admirável do seu colega de profissão norte-americano Keith Olbermann, âncora da MSNBC. Keith fez um comentário especial durante a exibição do noticiário, onde faz uma defesa brilhante e acima de tudo humana contra a Proposição 8. Essa emenda na constituição americana aprovada no último dia 4 em plebiscito direto, entre outras propostas, criminaliza o casamento entre homosexuais na Califórnia. Segue abaixo a tradução junto com o link do discurso original e legendado de Olbermann no YouTube.

"Alguns esclarecimentos, como prefácio: não é uma questão de gritaria ou política ou mesmo sobre a Proposta 8. Eu não tenho nenhum interesse pessoal envolvido, não sou gay e tive que me esforçar para me lembrar de um membro de minha imensa família que é homossexual. (...) E, apesar disso, essa votação para mim é horrível. Horrível. (...) Porque esta é uma questão que gira em torno do coração humano – e se isto soa cafona, que seja.

Se você votou a favor da Proposta 8 ou apóia aqueles que votaram ou o sentimento que eles expressaram, tenho algumas perguntas a fazer, porque, honestamente, não entendo. Por que isso importa para você? O que tem a ver com você? Numa época de volubilidade e de relações que duram apenas uma noite, estas pessoas queriam a mesma oportunidade de estabilidade e felicidade que é uma opção sua. Elas não querem tirar a sua oportunidade. Não querem tirar nada de você. Elas querem o que você quer: uma chance de serem um pouco menos sozinhas neste mundo.

Só que agora você está dizendo para elas: “Não!”. “Vocês não podem viver isto desta forma. Talvez possam ter algo similar – se se comportarem. Se não causarem muitos problemas.” Você se dispõe até mesmo a dar a elas os mesmos direitos legais – mesmo que, ao mesmo tempo, esteja tirando delas o direito legal que já tinham (o do casamento civil). Um mundo em volta deste conceito, ainda ancorado no amor e no matrimônio, e você está dizendo para elas: “Não, vocês não podem se casar!”. E se alguém aprovasse uma Lei dizendo que você não pode se casar?

Eu continuo a ouvir a expressão “redefinindo o casamento”. Se este país não tivesse redefinido o casamento, negros não poderiam se casar com brancos. Dezesseis Estados tinham leis que proibiam o casamento inter-racial em 1967. 1967! Os pais do novo Presidente dos Estados Unidos não poderiam ter se casado em quase um terço dos Estados do país que seu filho viria a governar. Ainda pior: se este país não houvesse “redefinido” o casamento, alguns negros não poderiam ter se casado com outros negros. (...) Casamentos não eram legalmente reconhecidos se os noivos fossem escravos. Como escravos eram uma propriedade, não podiam ser marido e mulher ou mãe e filho. Seus votos matrimoniais eram diferenciados: nada de “Até que a morte os separe”, mas sim “Até que a morte ou a distância os separe”.

O casamento entre negros não era legalmente reconhecido assim como os casamentos entre gays (...) hoje não são legalmente reconhecidos.

E incontáveis são, em nossa História, os homens e mulheres forçados pela sociedade a se casarem com alguém do sexo oposto em matrimônios armados ou de conveniência ou de puro desconhecimento; séculos de homens e mulheres que viveram suas vidas envergonhados e infelizes e que, através da mentira para os outros ou para si mesmos, arruinaram inúmeras outras vidas de esposas, maridos e filhos – apenas porque nós dissemos que um homem não pode se casar com outro homem ou que uma mulher não pode se casar com outra mulher. A santidade do matrimônio.

Quantos casamentos como estes aconteceram e como eles podem aumentar a “santidade” do matrimônio em vez de torná-lo insignificante?

E em que isso interessa a você? Ninguém está te pedindo para abraçar a expressão de amor destas pessoas. Mas será que você, como ser humano, não teria que abraçar aquele amor? O mundo já é hostil demais. Ele se coloca contra o amor, contra a esperança e contra aquelas poucas e preciosas emoções que nos fazem seguir adiante. Seu casamento só tem 50% de chance de durar, não importando como você se sente ou o tanto que você batalhará por ele. E, ainda assim, aqui estão estas pessoas tomadas pela alegria diante da possibilidade destes 50%. (...) Com tanto ódio no mundo, com tantas disputas sem sentido e pessoas atiradas umas contra as outras por motivos banais, isto é o que sua religião te manda fazer? Com sua experiência de vida neste mundo cheio de tristeza, isto é o que sua consciência te manda fazer? Com seu conhecimento de que a vida, com vigor interminável, parece desequilibrar o campo de batalha em que todos vivemos em prol da infelicidade e do ódio... é isto que seu coração te manda fazer?

Você quer santificar o casamento? Quer honrar seu Deus e o Amor universal que você acredita que Ele representa? Então dissemine a felicidade – este minúsculo e simbólico grão de felicidade. Divida-o com todos que o buscam. Cite qualquer frase dita por seu líder religioso ou por seu evangelho de escolha que te comande a ficar contra isso. E então me diga como você pode aceitar esta frase e também outra que diz apenas: “Trate os outros como gostaria de ser tratado”.

O seu país – e talvez seu Criador – pede que você assuma uma posição neste momento. Um pedido para que se posicione não numa questão política, religiosa ou mesmo de hetero ou homossexualidade, mas sim numa questão de Amor. (...) Você não tem que ajudar ou aplaudir ou lutar por ela. Apenas não a destrua. Não a apague. Porque mesmo que, num primeiro momento, isto pareça interessar apenas a duas pessoas que você não conhece, não entende e talvez não queira nem conhecer, é, na realidade, uma demonstração de seu amor por seus semelhantes. Porque este é o único mundo que temos. E as demais pessoas também contam."

Lucidez é uma característica cada vez mais rara. Cabe aqui o mesmo crédito inicialmente dado pelo João ao Pablo Villaça, do blog Diário de Bordo, primeiro a dar a notícia e responsável pela transcrição e tradução do texto de Keith.

3 comentários:

Anônimo disse...

Ainda ontem assisti ao filme Dogville. Que nada tem a ver com homossexualismo, mas sim dessa mania procurar os defeitos nos outros e não em si mesmo. Me parece o mesmo caso...

Muito mais fácil estar de fora decidindo a vida dos outros que analisar o motivo pelo qual as pessoas querem tanto se meter na vida alheia.

Rodrigo Souza disse...

Hmmm. Nunca tinha pensado em Dogville sob essa ótica. Um bom motivo para revisitar o Lars. Valeu, Honey!

Silvana Persan disse...

Tem um vídeo do Slash (ex-guitarrista do Guns n' Roses) no Youtube, onde ele e sua esposa defendem o casamento gay e se posicionam contra tal proposição. No vídeo ele toca o hino dos E.U.A, enquanto ela fala mais ou menos isso (livre tradução com meu péssimo inglês): "eu casei com meu namorado, vc também deveria ter o direito de se casar com o seu".
Sem querer ser cristãfóbica, mas eu tenho medo do poderio religioso, da forma com que as pessoas se calam diante de um argumento religioso (como "deus criou o homem para a mulher e vive-e-versa").
Como diz o funk: cada um no seu quadrado. O que as pessoas fazem na sua vida íntima, só interessa a elas próprias.

bjs