17.3.08

Soberania da Intolerância

Domingo passado (16/03) saiu uma reportagem interessante no jornal carioca Extra sobre como algumas igrejas neopentecostais sediadas em favelas no Rio de Janeiro estão se aliando a traficantes em uma estranha simbiose de fé. Os traficantes membros dessas igrejas estão coagindo, ameaçando e expulsando freqüentadores de terreiros de culto afro presentes nas comunidades. Em troca, as igrejas prometem bênçãos, salvação eterna e perdão dos (muitos!) pecados cometidos pelas suas ovelhas negras.

O jornal apressou-se a deixar claro que são igrejas independentes. Evidentemente as últimas ações da IURD tentando um golpe sincronizado de censura através de ações judiciais ainda estão muito frescas na memóra do meio jornalístico. Já nessa segunda-feira (17/03) o caso deverá parar nas mãos do secretário de segurança pública do estado, José Mariano Beltrame, solicitada pelos praticantes do espiritismo ameaçados pela agressividade imposta pelos auto-denominados "Bandidos de Cristo", cujos fuzis são abençoados em cultos nessas igrejas.

Embora já tenha ido uma vez a um terreiro em dia de festa de Ogum (São Jorge, para quem não conhece), não faço parte do credo e tampouco defendo as práticas da umbanda e candomblé. Em determinadas situações elas conseguem prestar mais deserviço à ordem pública do que as igrejas, quando das vezes em que alguns de seus adeptos poluem as ruas com oferendas diversas a seus santos e entidades primitivas. Mesmo assim é reservado à eles, segundo a Lei VI do Artigo 5º. da Constituição, o direito de praticar seus rituais do mesmo modo que as igrejas cristãs-judaicas-islâmicas (só pra ficar nos exemplos maiores), afinal, apesar da bagunça, isso aqui ainda é uma democracia laica, não é?

A questão vai além de seus desdobramentos sociais. Ser religioso monoteísta em uma sociedade moderna imersa em um mundo globalizado é equilibrar-se em um delicado muro que separa crenças e dogmas em uma circense e hipócrita demonstração de tolerância. Pelo menos para ser politicamente correto, a maioria tenta ver condescentemente o outro como uma espécie de ignorante que não conhece a verdade e está involuntariamente do lado errado da cerca. Quando não há vontade de respeitar a diferença, enxerga-se um adversário de fé, um inimigo que acredita e cultua aquilo que os respectivos dogmas chamam de diabo, espíritos malignos, encostos, "coisa do mundo" etc.

Já seria um problema bastante complicado se apenas fossem palavras soltas em livros de fés primitivas e sem importância. Mas suas lideranças reforçam o sentimento de diferenciação de seu rebanho, como é o caso do atual pontífice da ICAR, Joseph Ratzinger, que insiste em deixar bastante claro seu narcisismo dogmático ao recentemente publicar bulas que afirmas a ICAR como sendo "verdadeira e única depositária da fé cristã".

No fundo, no fundo, nem é tão novidade assim. Quantas matanças, desterros e injustiças contra praticantes de outros credos que não a da religião dominante já não foram levadas à cabo em nome de deus ao longo da história? A história apenas se retepete, agora bem mais perto de nós.

Um comentário:

Anônimo disse...

A problemática vem da má interpretação do maior instrumento de fé dos cristãos, a Bíblia.Nela, muitas práticas como você disse, "mundanas", são abominadas.Porém, na prática a transmição dos valores cristãos baseados pelo Livro Sagrado vem se corrompendo. É uma questão de fé. Ou você acredita, ou não.