6.7.08

#3 - EVOLUÇÃO

Não mudei como pessoa apenas porque abandonei as fileiras do cristianismo protestante. Minha moral e meus valores foram construídos quando jovem. Tive uma boa formação intelectual, com meus pais me incentivando ao hábito da leitura desde muito cedo. Talvez tenha sido isso um dos fatores que tenha ajudado a derrubar o muro que me separava da realidade: uma habilidade desenvolvida de querer sempre buscar a verdade ao invés de simplesmente me contentar com o que me era oferecido. Às vezes acho engraçado (quando não triste) uma pessoa religiosa bater de frente com questionamentos inteligentes acerca de sua crença e, mesmo perante argumentos incisivos, fortes, embasados em provas muito bem documentadas, consegue colocar parelhas e agarrar-se desesperadamente à sua fé e negar evidências. E isso, entre seus pares, é considerado uma virtude!

Embora o ateísmo não contenha nenhum conjunto de valores ou filosofias específicas agregados em seu conceito mais elementar, uma coisa muito boa serviu de espólio após minha ruptura com a religião: desenvolvi minha "espiritualidade", embora o termo não combine muito bem com aqueles que descrêem por razões de ordem racional, acho que ainda há espaço para exercitar o que eu prefiro chamar de propósito adiquirido, diferente de um propósito mais transcendental que muitas religiões chamam de karma ou destino. E de forma muito mais honesta.

Não há uma resposta satisfatória para o que viemos fazer no mundo. A alternativa religiosa padrão "adorar a um ser maior do que nós" é no mínimo acomodada demais, fraca demais ou subserviente demais, digna de quem nasce e morre adestrado para ser lacaio de mulás, rabinos, bispos etc. O ponto de vista estritamente biológico de "reproduzir e evoluir" acaba sendo um pouco frustrante para quem não está preparado para a simplicidade orgânica da vida ou de nosso mero suspiro perto do tempo geológico ou das mensuras espaciais. Deve existir outra coisa.

Gosto de pensar (pelo menos faz sentido subjetivamente, talvez não sirva para todos) que exercito minha "espiritualidade" através da simples busca pelo prazer. Só isso, uma filosofia hedonista orientada. Já que vivemos, que essa existência seja melhor possível, daí buscamos parceiros, desenvolvemos amizades, inventamos crenças e criamos tecnologias para tornar nosso mundo palatável, desviando-nos da dor, da necessidade, das deficiências que nossos pobres corpos carbônicos e suas necessidades carnais. E por último, como elemento regulador, a humanidade. A capacidade de se pôr no lugar de outro. De imaginar sua dor, de se alegrar com seu prazer, de ajudar em sua necessidade.

Parece ser lugar comum dizer que só a religião pode trazer bondade ao coração humano, ou que só através do amor a um ser mágico e presumidamente superior somos capazes de fazer o bem. Mas sempre sob pena de ir para um lugar ruim ao morrer, caso nossa conduta não seja ilibada, perfeita. Então o bem é feito para agradar esse ser mágico para que o mesmo nos agracie com uma pós vida cheia de prazeres, seja com paz eterna, gozo infinito, companhia de antepassados fartando-se em um banquete à mesa de reis ou numa alcova celestial lasciva de 72 virgens? O religioso então só faz o bem objetando uma recompensa? Que espécie de egoísta interesseiro desloca seu próprio rabo para projetos sociais, esmola e faz sopões para distribuir para moradores de rua com os olhos cintilantes voltados para seu próprio umbigo, centro gravitacional da criação? Se o raciocínio de que sem um deus não há motivo para fazer o bem, digo: "Contine com sua fé, amigo, por favor! O mundo agradece por ter menos um psicopata graças ao sedativo metafísico da religião."

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