O orgulho hétero atual repousa apenas na implicância do "se eles podem, também posso", em alguns casos em prol da
"moral e bons costumes". Vamos levar em consideração que o gay/lésbica, apenas por ser gay/lésbica, está submetido aos héteros em diversas escalas sociais, tem tolhidos os seus direitos básico até em cláusulas constitucionais. Em suma o gay/lésbica tem menos privilégios por o ser do jeito que ele ou ela são. Comparativamente falando, é como excluir alguém de importantes direitos sociais por uma característica qualquer, por exemplo,
mulheres não podem votar (até 1893, Austrália),
negros não podem frequentar o mesmo ambiente que brancos (até 1960-70 nos EUA),
judeus são uma sub-raça e não merecem o mesmo que a raça pura ariana (até meados do séc. XX).
Numa comparação talvez exagerada, comparando a exaltação do hétero com a extrema direita européia, movimento político protecionista que vigorou durante meados do século XX em alguns países como a Alemanha e a Itália, tinha por função a manutenção do privilégio através do nacionalismo e o banimento daqueles que são considerados estrangeiros, diferentes, párias sociais, em alguns casos levando à aniquilação sistemática, no caso dos judeus.
Quando alguém brada que tem orgulho de ser hétero, brada também, conscientemente ou não, que tem orgulho de sua posição numérica superior, de seus privilégios segregários, de sua posição social elevada, pois é isso que ser hétero é em nossa sociedade. Ter mais privilégios que a contrapartida. É ter orgulho da dominância, muito diferente do caso gay, que é ter orgulho da perseverança e prosperar em terreno tão hostil como o ocidente de hoje. E quando falo prosperar refiro-me a alçadas tão simples para a orientação dominante, como buscar felicidade com alguém, expressar seu amor em públicomo como qualquer hétero sem ser incomodado com isso, poder ter qualquer profissão que seu talento permita sem ter que se ver tolhido desse direito, construir família, ter filhos, empreender para construir uma vida à dois.
Nada contra se orgulhar. É ótimo para a auto-estima, mas desde que de realizações, não de algo com o qual se nasce naturalmente. Qual tipo de dificuldade você enfrentou para ser hétero? Nenhuma. Qual medalha é merecida quando a vitória chega através de dopping? Nenhuma. Qual o valor de zerar um jogo jogando na mais baixa dificuldade? Nenhum.
Esse panorama social vexatório está mudando sim, sem dúvida (It's gets better!
[1] [2] [3]), mas ainda longe de ser apenas passado. E não cabe pedir tempo, que a sociedade vai mudar aos poucos. Nenhuma renovação/revolução social começa através de quem oprime, e sim de quem é oprimido. Nunca é de quem detém os privilégios, mas sim de quem os anseia.
A escravidão, condenada hoje, era prática comum no passado. Precisamos de milênios antes de notarem que submeter outro ser humano, negociar sua propriedade e sua liberdade era algo execrável. Para nossa vergonha como brasileiros fomos os últimos a abolir essa prática nas Américas. Foram necessários séculos de rebeliões como a de Spartacus, quilombos como os de Zumbi dos Palmares e luta para que isso acontecesse. Poderíamos dizer para alguém posto à ferros um confortável "dê um tempo"?
O feminismo tem mais de um século e ainda é hostilizado, vilipendiado e discriminado. Se as mulheres dependessem da "boa vontade" masculina em reconhecer a igualdade de gênero, estariam ainda nos servindo humildemente, sendo nossos objetos de prazer e ainda proibidas de frequentar os círculos de poder. Foram necessárias décadas de queima de sutiãs, de luta como a de Sakineh Ashtiani, Ameneh Bahrami, das milhares de meninas com o clitóris extirpado todos os anos para que isso acontecesse. Poderíamos dizer para alguém objetificado um confortável "dê um tempo"?
Esse início de milênio é o tempo da "rebelião" gay, de sua imposição de seu papel social e de seus direitos inalienáveis. Nunca eles tiveram tanta voz, tanta importância e tanta vontade de se emancipar. E não é tão recente, uma vez que homossexualidade simplesmente faz parte da natureza animal, quer gostemos disso ou não. Não há descrição de civilização alguma, de qualquer época, que não faça referência à existência de mulheres e homens homossexuais. Apesar dessa constatação, ainda hoje esse tipo de comportamento é chamado de antinatural,
abominável. Não dá para dizer para alguém agredido por ser gay um confortável "dê um tempo"! Não quando muitos são
humilhados,
espancados,
deformados e
mortos todos os dias.
Se as pessoas ao menos entendessem o porquê do orgulho gay, não se precipitariam a aventar a possibilidade de um orgulho hétero. Assim como não proporiam uma marcha masculina porque há uma
mais ruidosa e necessária pelas ruas. É tão descabido quanto ter orgulho de ser bípede.
Em suma: ser gay, ser mulher ou ser negro é jogar no VERY HARD. Sempre. E tenho uma certa vergonha de ter levado quase três décadas para finalmente compreender que passei a vida toda sendo um n00B.